Acompanhar o crescimento fetal constitui uma das tarefas do prenatalista. Vários métodos clínicos foram utilizados no passado para estimar o crescimento fetal, como palpação da altura do fundo uterino em relação a um marco anatômico como a cicatriz umbilical ou apêndice xifoide, ou circunferência abdominal. Nos dias de hoje utiliza-se a mensuração da altura uterina a partir da sínfise púbica (Medida sínfise-fundo).
Embora seja um método simples, seu uso na prática obstétrica é relativamente recente. Nos séculos XVIII e XIX o pré-natal ainda não havia sido incorporado à clínica, logo não se avaliava o crescimento fetal durante a gravidez. O tamanho, o peso e o comprimento do feto, ou do recém-nascido, embora objeto de curiosidade, não tinham relevância clínica. “Uns são maiores, maiores e mais pesados; outros são pequenos e mais leves; de modo que não se pode determinar exatamente a idade gestacional com base nas dimensões e no peso do recém-nascido” (Baudelocque, L’Art des Accouchements, Tome I, page 213).
No início do século XX, com o advento do pré-natal, a mensuração da altura uterina foi incorporada à rotina. Todavia, o objetivo era estimar a idade gestacional, e o tamanho do feto (e da cabeça fetal) no final da gravidez, para estabelecer momento e via de parto, nos casos suspeitos de desproporção céfalo-pélvica (cabeça grande/feto grande e bacia estreita. O conceito de crescimento intrauterino restrito não fazia sentido, já que nesta época não havia qualquer método para o diagnóstico dessa condição, técnicas para vigilância da vitalidade ou intervenções eficazes, caso o diagnóstico fosse feito.
De todo modo, a técnica da mensuração da altura uterina, com uma fita métrica, era idêntica à técnica posteriormente adotada para acompanhar o crescimento fetal durante a gestação. A mesma técnica, com objetivos diferentes. (McDonald E. Mensuration of the child in the uterus with new methods. JAMA. 1906;XLVII(24):1979–1983. doi:10.1001/jama.1906.25210240013001d)
No início da década de 70 é que a mensuração da altura do fundo uterino com o objetivo de identificar restrição do crescimento intrauterino foram incorporados à rotina de pré-natal. Um dos trabalhos mais importantes a respeito da técnica foi realizado na Suécia (Westin, 1977).
“A mortalidade perinatal no Dandeyd Hospital durante o período 1968-70 (período I: 9.801 nascimentos) foi de 16/1.000 nascimentos. A mortalidade intraparto, apesar dos recursos insuficientes para monitoração da FCF correspondeu a apenas 11% do mortalidade perinatal. O óbito anteparto correspondeu a não menos do que 42% da mortalidade perinatal. A maioria dos óbitos anteparto ocorreu antes da admissão e mais de 50% dos casos não apresentavam anomalia congênita. Apesar da vigilância intensiva, o pré-natal convencional não foi suficiente para predizer crescimento fetal retardado, ou acelerado, ou gemelaridade. Por isso, o gravidograma foi desenhado para supervisão da gravidez através da visualização gráfica das modificações na distância sínfise-fundo materno” “Após a introdução do gravidograma, houve uma queda imediata e persistente da mortalidade perinatal, para 8/1.000 nascimentos (em um total de 12.800 nascimentos). Uma curva de crescimento normal na distância sínfise-fundo (Altura uterina – AU) implica em crescimento fetal normal, e o risco de óbito intrauterino por crescimento fetal retardado é praticamente zero. (Westin, B. (1977). Gravidogram and fetal growth. Acta Obstetricia et Gynecologica Scandinavica, 56: 273-282. doi:10.3109/00016347709154978
Passados mais de 40 anos desde a publicação deste trabalho, muita coisa mudou em relação ao diagnóstico do CIUR. O ultrassom, padrão ouro para o diagnóstico de anormalidades do crescimento fetal, tornou-se mais disponível. Além disso, sua qualidade aumentou enormemente. Por causa disso, o ultrassom passou a ser defendido como método de escolha não apenas para o diagnóstico, mas também para o screening do CIUR, mesmo em mulheres de baixo risco. A pergunta que se faz, neste caso, é: medir a altura uterina com uma fita continua um método válido para o rastreio de CIUR? Qual a sua acurácia na identificação de casos suspeitos?
Vários estudos avaliaram a acurácia da mensuração da altura uterina como método de triagem para CIUR. Os critérios para definição de altura uterina anormal variaram entre os diferentes estudos (uma medida única abaixo de p10; 2-3 medidas abaixo do p10). O Valor Preditivo Negativo da altura uterina foi superior a 90%, enquanto que o Valor Preditivo Positivo foi inferior a 50% na maioria dos estudos. Isso significa que, em gestantes de risco habitual, se o crescimento da altura uterina é normal, a probabilidade de CIUR passar sem diagnóstico é da ordem de 10%. Por outro lado, se o crescimento encontra-se abaixo do esperado, um ultrassom deve ser feito, para confirmar o diagnóstico. Todavia, ao menos 50% destes exames devem dar resultado normal, excluindo o diagnóstico de CIUR. (Fournié A1, Lefebvre-Lacoeuille C, Cotici V, Harif M, Descamps P. The fundal height measurements in single pregnancies and the detection of fetal growth retardation. J Gynecol Obstet Biol Reprod (Paris). 2007 Nov;36(7):625-30. Epub 2007 Mar 1.)
Mais recentemente, um estudo multicêntrico, randomizado, realizado na Holanda, incluindo 13.046 mulheres, comparou as duas estratégias. No grupo intervenção, além do cuidado usual, as mulheres receberam um ultrassom de rotina entre 28-30 semanas e 34-36 semanas. O mesmo protocolo multidisciplinar para detecção e manejo do CIUR foi utilizado em ambas as estratégias. A detecção de pequeno para a idade gestacional foi maior no grupo intervenção (32%) do que no grupo de cuidados usuais (19%). Todavia, a incidência de resultados adversos perinatais não foi significativamente diferente entre os grupos (1,7%). Os achados deste estudo não suportam o uso de rotina de ultrassonografia no terceiro trimestre em gestações de baixo risco. (Henrichs J, Verfaille V, Jellema P et al. Effectiveness of routine third trimester ultrasonography to reduce adverse perinatal outcomes in low risk pregnancy (the IRIS study): nationwide, pragmatic, multicentre, stepped wedge cluster randomised trial. BMJ. 2019;367:l5517.
Assim sendo, malgrado a melhoria da qualidade do ultrassom e sua maior disponibilidade, a medida da altura uterina com uma fita métrica, e a plotagem das medidas em uma curva de crescimento, continuam sendo o método de escolha para o rastreio de crescimento intrauterino restrito em mulheres com gestação de baixo risco. É um método barato, simples, amplamente disponível e em geral aceito pelas mulheres. O prenatalista deve apenas tomar o cuidado de realizar a mensuração com técnica adequada e excluir as gestantes nas quais a altura do fundo uterino não é confiável (mulheres com miomatose, gemelares e obesas/IMC > 35). O ultrassom de rotina deve ser oferecido quando a mensuração não é confiável e/ou quando o crescimento mensurado pela fita métrica é anormal (abaixo da curva).