ONDANSETRONA: UMA MEDICAÇÃO MUITO UTILIZADA

A Ondansetrona é um antagonista de receptores de serotonina 5-HT3. É um antiemético potente, aprovado pelo FDA apenas para o tratamento de náuseas e vômitos relacionados à quimioterapia, radioterapia e cirurgias. Embora não tenha sido aprovada para náuseas e vômitos da gravidez, a ondansetrona tornou-se a prescrição antiemética mais usada para essa condição nos Estados Unidos (22% das prescrições em 2014). (PARKER, 2018; TAYLOR, 2017)

Ver gráficos abaixo:

 

Figura 1. Prevalência do uso de ondansetrona entre mulheres (controles) com náuseas e vômitos de primeiro trimestre da gravidez. Médias de dois anos, National Birth Defects Prevention Study (1997–2011) and Slone Birth Defects Study (1997–2014). (PARKER, 2018)

 

 

 

Figura 2. Utilização de medicamentos antieméticos entre gestantes com bebês nascidos vivos, por ano,  (Mini-Sentinel Distributed Database, 2001-2014)  (TAYLOR, 2017)

 

 

DÚVIDAS QUANTO À SEGURANÇA DA ONDANSETRONA

Apesar de vastamente utilizada nos EUA (e provavelmente também no Brasil), existem dúvidas quanto à segurança dessa medicação na gravidez.

Em setembro de 2019 a Agência Espanhola de Medicamentos y Produtos Sanitários (AEMPS) publicou Nota Informativa recomendando “Não administrar ondansetrona durante a gravidez, especialmente durante o primeiro trimestre”, devido a um leve aumento no risco de defeitos orofaciais (AEMPS, 2019).

Em novembro de 2020 a Agência Européia de Medicamentos  (European Medicines Agency) revisou o Sumário de Características do Produto (SmPC – Summary of Product Characteristics) e estabeleceu de forma explícita que a “ondansetrona não deve ser utilizada no primeiro trimestre de gravidez  (Home – electronic medicines compendium (emc) (acessado em 30 de julho de 2021)

Baseado em estudos epidemiológicos, em humanos, suspeita-se que a ondansetrona cause malformações orofaciais quando administrada durante o primeiro trimestre de gravidez. Em um estudo de coorte, incluindo 1,8 milhão de gestações, o uso de ondansetrona no primeiro trimestre esteve associado ao aumento do risco de fendas orais (3 casos adicionais por 10 mil mulheres tratadas; risco relativo ajustado, 1,24, (IC 95% 1,03-1,48)). Os estudos epidemiológicos disponíveis sobre malformações cardíacas mostram resultados conflitantes. Estudos em animais não indicam efeitos nocivos diretos ou indiretos em relação à toxicidade reprodutiva. Ondansetrona não deve ser usada durante o primeiro trimestre de gravidez. (Ondansetron 8 mg film-coated tablets – Summary of Product Characteristics (SmPC) – (emc) (medicines.org.uk)

 

No Brasil, o fabricante do VONAU (Biolab) também adverte contra o uso da ondansetrona durante a gestação, embora a bula seja ambígua neste ponto. Primero, afirma que “o uso da ondansetrona durante a gravidez não é recomendado”. Mas depois afirma que o medicamento “não deve ser utilizado por mulheres grávidas sem orientação do médico ou cirurgião-dentista”, o que é diferente da afirmativa anterior. Veja um fragmento da bula, abaixo:

A segurança do uso da ondansetrona em mulheres grávidas ainda não foi estabelecida. Avaliações de estudos em animais experimentais não indicaram efeito nocivo direto nem indireto no desenvolvimento do embrião ou feto, no curso da gestação e no desenvolvimento perinatal e pós-natal. Entretanto, uma vez que estudos em animais nem sempre são preditivos da resposta humana, o uso da ondansetrona durante a gravidez não é recomendado. Este medicamento não deve ser utilizado por mulheres grávidas sem orientação do médico ou cirurgião-dentista. Categoria B de risco na gravidez. VONAU – MedicinaNET 

O QUE DIZEM AS EVIDÊNCIAS: A META-ANÁLISE MAIS RECENTE

Uma revisão sistemática e meta-análise recentemente publicada identificou 12 estudos avaliando a associação entre exposição à ondansetrona e anomalias congênitas. A exposição à ondansetrona durante o primeiro trimestre foi associada a um risco aumentado de:

  • Defeitos septais ventriculares (DSV) (OR 1,11, IC 95% 1,00-1,23; p < 0,05; n = 6 estudos; I 2 = 0%) e
  • Fendas orofaciais (OR 1,22, IC 95% 1,00-1,49; p < 0,05; n = 4 estudos; I 2 = 0%). Não foi observada associação significativa para o risco de fissura palatina, mas, ao excluir o estudo que contribuiu para a heterogeneidade, encontramos um OR de 1,48 (IC95% 1,19-1,84; p < .01; n = 5 estudos; I 2 = 0%).

Não foi encontrada associação estatisticamente significante para malformações congênitas maiores, malformações cardíacas globais, defeitos do septo atrial e lábio leporino com ou sem fissura palatina. Análises exploratórias de outras malformações também mostraram um risco aumentado de hérnia diafragmática, hipoplasia de ventrículo esquerdo e “anomalias do sistema respiratório. (PICOT, 2020)

 

DOIS ESTUDOS MUITO IMPORTANTES

Os resultados dessa meta-análise, assim como a decisão da Agência Européia de Medicamentos foram derivados, em larga medida, de dois grandes estudos fármaco-epidemiológicos, os quais são descritos abaixo.

O primeiro estudo foi uma coorte retrospectiva que avaliou informações de um banco de dados (Medicaid Analytic eXtract – MAX) entre os anos 2000-2013. O risco de malformações foi estimado comparando-se 88.000 nascidos vivos expostos à ondansetrona à 1.727.000 nascidos vivos não expostos. A exposição à ondansetrona no primeiro trimestre não foi associada a um aumento no risco de malformações cardíacas ou malformações congênitas em geral. Todavia houve um pequeno aumento no risco de fissuras orais. O risco aumentou de 11/10.000 para 14/10.000 nascidos vivos. (aOR = 1,24 – IC95% 1,03-1,48). (HUYBRECHTS, 2018)

O segundo foi um estudo de caso-controle. Foram avaliados os dados de 82 mil nascidos vivos expostos à ondansetrona no primeiro trimestre. No geral, houve um pequeno aumento no risco de malformações cardíacas (aOR de 1,04 – IC95% 1,00-1,08) e uma associação fraca – estatisticamente não significativa – com fissuras orofaciais (aOR 1,12; IC 95% 0,95-1,33). Ao restringir a análise a 5500 mulheres expostas à administração intravenosa de ondansetrona em hospital, o risco foi significativo para malformações cardíacas (aOR de 1,43 – IC95% 1,28-1,61), mas não foi significativo para fissuras orofaciais (aOR de 1,30 – IC95% 0,75-2,25).  (ZAMBELLI-WEINER, 2019).

Porém, o estudo de Zambelli-Weiner apresentou falhas metodológicas e conflitos de interesses relevantes. Uma das autoras atuava como consultora da acusação, em processos médico legais envolvendo a ondansetrona (DAMKIER, 2021).

Assim, dados clínicos robustos não sugerem um risco global aumentado de malformações graves, nem risco aumentado de malformações cardíacas. As informações disponíveis sugerem apenas um pequeno aumento no risco de fissuras orais, correspondente a três casos adicionais de fissura oral para cada 10.000 crianças nascidas vivas expostas à ondansetrona no primeiro trimestre de gravidez (DAMKIER, 2021).

 

O QUE DIZEM ÓRGÃOS REGULATÓRIOS E ORGANIZAÇÕES CIENTÍFICAS NO BRASIL

No Brasil, a ANVISA e a FEBRASGO publicaram notas sobre o assunto. Nenhuma contra-indica de modo formal o uso de ondansetrona na gravidez. Veja a seguir.

ANVISA (2019) – “Os profissionais de saúde devem informar todas as mulheres em idade fértil que estão em tratamento com ondansetrona sobre o risco de esse medicamento ocasionar uma malformação congênita, especialmente no primeiro trimestre de gravidez”. Uso de ondansetrona é investigado — Português (Brasil) (www.gov.br)

(FEBRASGO, 2019)  – “Enquanto não houver outras evidências, (a FEBRASGO) orienta prudência com divulgação desses resultados (estudo de Huybrechts, 2018) e não vê motivo para o não uso da Ondansetrona na gravidez, prestando esclarecimento para gestantes sobre o baixo risco de malformações, deixando seu uso, preferencialmente, quando medidas de apoio e dietéticas associadas a outros fármacos não mostrarem sucesso Nota Febrasgo.

 

QUAL A MELHOR CONDUTA

Náuseas e vômitos da gravidez podem causar morbidade física e psicológica significativa. Negar a essas mulheres tratamento eficaz e de baixo risco não é apropriado.

  1. Mulheres com náuseas e vômitos no primeiro trimestre da gravidez devem ser abordadas primeiramente com medidas não farmacológicas.
  2. Se medidas não farmacológicas forem ineficazes, iniciar medicações consideradas de primeira linha, devido ao perfil de segurança, embora menos efetivos: meclizina, dimenidrinato, piridoxina, metoclopramida.
  3. Se não houver melhora com medicações de primeira linha, oferecer ondansetrona, após explicar o pequeno aumento no risco de fendas orais (fenda palatina)

A afirmação de que “ondansetrona nunca deve ser usada na gestação” é mal concebida, insuficientemente comprovada por evidências e não representa o melhor interesse das gestantes (DAMKIER, 2021).

 

REFERÊNCIAS CONSULTADAS

Agencia Española de Medicamentos y Productos Sanitarios (AEMPS).:2. 3 Ondansetrón: riesgo de defectos de cierre orofacialies (lábio leporino, paladar hendido) tras uso durante el primer trimestre del embarazo. Ministerio de Sanida, Consumo y Bienestar Social. Nota informativa, 2019

Damkier P, Kaplan YC, Shechtman S, Diav-Citrin O, Cassina M, Weber-Schoendorfer C, Cleary B, Hodson K. Ondansetron should never be used in pregnancy: Against: Ondansetron in pregnancy revisited. BJOG. 2021 Jan;128(1):111-112. doi: 10.1111/1471-0528.16476. Epub 2020 Sep 29. PMID: 32991063.

Huybrechts KF, Hernández-Díaz S, Straub L, et al. Association of Maternal First-Trimester Ondansetron Use With Cardiac Malformations and Oral Clefts in OffspringJAMA. 2018;320(23):2429–2437. doi:10.1001/jama.2018.18307

Parker SE, Van Bennekom C, Anderka M, Mitchell AA; National Birth Defects Prevention Study. Ondansetron for Treatment of Nausea and Vomiting of Pregnancy and the Risk of Specific Birth Defects. Obstet Gynecol. 2018 Aug;132(2):385-394. doi: 10.1097/AOG.0000000000002679. PMID: 29995744.

Picot C, Berard A, Grenet G, Ripoche E, Cucherat M, Cottin J. Risk of malformation after ondansetron in pregnancy: An updated systematic review and meta-analysis. Birth Defects Res. 2020 Aug;112(13):996-1013. doi: 10.1002/bdr2.1705. Epub 2020 May 18. PMID: 32420702).

Taylor LG, Bird ST, Sahin L, Tassinari MS, Greene P, Reichman ME, Andrade SE, Haffenreffer K, Toh S. Antiemetic use among pregnant women in the United States: the escalating use of ondansetron. Pharmacoepidemiol Drug Saf. 2017 May;26(5):592-596. doi: 10.1002/pds.4185. Epub 2017 Feb 21. PMID: 28220993.

Zambelli-Weiner A, Via C, Yuen M, Weiner DJ, Kirby RS. First trimester ondansetron exposure and risk of structural birth defects. Reprod Toxicol. 2019 Jan;83:14-20. doi: 10.1016/j.reprotox.2018.10.010. Epub 2018 Oct 29. PMID: 30385129.